Teletrabalho — é um trabalho “a sério”?

Trabalhar em casa? Soa-lhe bem?

Um pijama confortável e chinelos, no conforto e no sossego do lar, sem sermos escravizados pelo relógio, sem a azáfama dos transportes públicos ou do trânsito.

Quem sabe, talvez até possamos trabalhar junto de uma lareira acolhedora nos dias mais frios? Ou com aquele vinil espectacular no gira-discos e munidos de uma caneca de chá fumegante… Ou ainda, nos dias mais quentes, poderíamos fazer uma pausa para dar um mergulho, só porque sim! Parece perfeito!

 

Trabalho em casa há mais de vinte anos e uma parte considerável deste tempo como freelancer e mãe a tempo inteiro e posso dizer-vos que seria melhor refrearem esse entusiasmo. Na vida, tudo tem vantagens e desvantagens.

Com o passar dos anos, perdi a conta de quantas pessoas já comentaram comigo sobre “a sorte que eu tinha por poder trabalhar sem sair de casa”, enquanto elas eram forçadas a acordar cedo dia após dia para apanhar o autocarro ou o comboio e passar oito horas monótonas num escritório cinzento e frio, com colegas de trabalho detestáveis e/ou superiores que me eram descritos como verdadeiras gárgulas.

 

Contavam-me sobre a sorte que eu tinha e como me invejavam, como se o meu dia-a-dia se comparasse a umas férias descontraídas no Algarve e não como se eu trabalhasse tantas vezes doze ou até catorze horas por dia, e noites até o sol raiar sem sair da frente do computador senão para atender às necessidades do meu pequenito.

 

Mas na realidade…

Os primeiros anos, enquanto freelancer, foram anos de trabalho duro, de noites perdidas, dia após dia sem ver a minha imagem ao espelho senão de pijama, ao ponto de quase me esquecer de como eu era quando punha um bâton ou arranjava o cabelo, ou vestia aquela blusa que casava tão bem com o meu tom de pele.

 

Via apenas o pijama e as olheiras e todos os dias eram iguais, quase indistinguíveis, quer fosse feriado ou dia útil, quer chovesse ou fizesse sol.

A verdade é que as pessoas — e quando digo “as pessoas” refiro-me também à família, filhos ou até maridos/namorados/companheiros de vida — não só idealizam a nossa actividade como, na verdade, não a consideram como um verdadeiro trabalho.

No passado, quantas pessoas, incluindo parentes próximos e amigos íntimos, se referiam ao meu trabalho como se não fosse um trabalho real?

Ao ponto de, quase durante toda a primeira década do meu percurso, muitos entes queridos me procurarem com propostas de emprego como, por exemplo, empregada de balcão no café da esquina, ou operadora de caixa do supermercado. Isto porque, na realidade, eles viam-me como desempregada!

 

De nada adiantava explicar que eu trabalhava, sim, e muito! E que na maioria das vezes até conseguia ganhar mais do que poderia ganhar como empregada de balcão. Quando não me diziam cara a cara que enquanto não arranjasse um “trabalho a sério” nunca teria uma vida — “como as outras pessoas” — brindavam-me com aqueles olhares condescendentes que surtiam em mim exactamente o mesmo efeito: uma frustração desmedida.

É difícil não esperarmos algum reconhecimento, alguma validação, por parte daqueles que amamos, embora tal validação externa não seja realmente necessária para vivermos uma vida plena.

E, na mesma linha, se estou em casa, e não tenho um “trabalho a sério”, porque não dar um saltinho à minha casa para fazer uma visita naqueles dias úteis em que (eles) até estavam de folga e sem nada para fazer?

 

Ou ainda, porque não ligar-me e chorar desalmadamente ao telefone durante três horas porque se zangaram com o namorado ou a namorada? Afinal, mesmo que eu tivesse um trabalho real para fazer, poderia sempre fazê-lo a qualquer outra hora, e os amigos são para as horas difíceis, não é verdade?

Como não estamos realmente “a trabalhar”, então espera-se que tenhamos tempo de fazer absolutamente tudo sem ajuda — a lida doméstica, o supermercado, levar os filhos à escola, ao parque infantil, consultas médicas, reuniões escolares, etc. e ainda temos de fazer o nosso trabalho!

 

Como lidar com isso?

Foram necessários muitos anos para “treinar” todas as pessoas com quem me relaciono e que são realmente importantes para mim a encarar a minha profissão como uma profissão tão séria, compensadora e válida como qualquer outra. E todos os outros, não tão importantes, tiveram de aprender também que cá em casa trabalha-se e, salvo raras excepções, para aparecer é preciso ser convidado.

Tive ainda de me “treinar” a mim mesma para conseguir fazer coisas tão simples, mas tão impensáveis para mim nos primeiros anos, como não atender o telefone sempre que toca, por exemplo!

 

A pouco e pouco, aprendi que o mundo não acaba se deixar tocar o telefone e posso sempre devolver a chamada mais tarde.

A verdade é que quanto mais distracções nos permitirmos durante o dia, mais serões seremos forçados a fazer em frente ao computador, em detrimento do nosso descanso, da nossa saúde e, consequentemente, da nossa produtividade.

E aquela enorme pilha de roupa para lavar ou engomar não irá a lugar nenhum. E a loiça não se lavará a si própria. Temos de encontrar tempo para tudo e é essencial ter uma rotina um pouco mais rígida do que aquilo que imaginam as pessoas que nunca trabalharam em casa como forma de sustento.

 

Aqueles que compreenderam que não sou menos amiga (nem pior pessoa) por isto, ficaram… E aqueles que não compreenderam, acabaram por se afastar, mas isso apenas significa que nunca fizeram cá falta alguma! Como se diz em inglês, tão adequadamente, Good riddance!

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