Existem diferenças entre o português falado em Portugal e o português falado no Brasil? Trata-se da mesma língua, línguas “irmãs” ou uma língua e uma variante?
Sim e não. 😶
Quer em Portugal, no velho continente europeu, quer no longínquo Brasil, país irmão, no continente sul americano, o idioma falado é o português. Mas há, sim, diferenças marcadas entre o português de Portugal e do Brasil.
Não são diferenças ligeiras, que encontrassem um paralelo entre o inglês americano e britânico, como um sotaque diferente e termos preferenciais para algumas coisas — são muito mais acentuadas, quer na gramática, na sintaxe e na pronúncia, mas também no vocabulário!
São diferenças que podem constituir um obstáculo real à comunicação entre os brasileiros e os portugueses. Quem fala uma língua consegue compreender a outra, mas as diferenças são notáveis o suficiente para poder, potencialmente, impedir uma boa comunicação. 🤐
Mas qual a relação entre o Brasil e Portugal? Porque partilham uma língua? 🗣️
Em 1500, como resultado do desejo do reino de Portugal de expandir o seu império marítimo, o aventureiro Pedro Álvares Cabral, acompanhado por uma tripulação de capitães experientes como Bartolomeu Dias, desembarcou no Brasil reivindicando o território para a coroa portuguesa.
Anteriormente, em 1497, a expedição do explorador português Vasco da Gama à Índia já tinha encontrado sinais de terra perto da sua rota ocidental no oceano Atlântico. ⚓
Os nativos foram escravizados e muitos escravos foram trazidos de África, porém, a habitação permanente por colonos portugueses só começou em 1532, com a fundação de São Vicente.
Contudo, a colónia portuguesa não tardou a ganhar a sua própria identidade e, em 1822, a Monarquia Portuguesa declarou a independência do Brasil. Em 1889, o país tornou-se uma república presidencialista na sequência de um golpe de estado militar.
Hoje, Brasil e Portugal partilham uma relação política e diplomática privilegiada assente na coordenação, bem como na cooperação económica, social, cultural, jurídica, técnica e científica. 🌍
A cultura portuguesa ainda se encontra muito viva em alguns pontos do Brasil, por força das colónias de emigrantes. No entanto, a maioria do povo brasileiro não tem praticamente nenhum outro contacto com o sotaque europeu da sua própria língua e quase não se consome cultura portuguesa da actualidade no país.
Na verdade, tal como acontece em Portugal, a cultura americana é a mais consumida, principalmente na forma de filmes de Hollywood. Ainda assim, sem ouvir uma língua é muito mais difícil aprendê-la e o Brasil não é um país com um grande conhecimento do inglês porque a maioria desses filmes são dobrados em vez de legendados.
O povo com maior proficiência de acordo com o Índice de Proficiência em Inglês da EF ou EF English Proficiency Index é a Holanda, o que não é surpreendente, já que apresenta muitas similaridades com o inglês e o alemão.
Já Portugal, encontra-se no 7.º lugar da lista e o Brasil no 58.º.
Em Portugal, os filmes são legendados, o que favorece o domínio do inglês pelo povo português — é caso para dizer que ver filmes legendados compensa! 📽️
Surpreendentemente, porém, o português do Brasil tem um poder de absorção de termos estrangeiros muito maior do que o português europeu, que é bem menos permeável.
E não estamos a falar apenas dos anglicismos, não se trata apenas de estrangeirismos! Os brasileiros são mais criativos do que isto e assimilaram verdadeiramente algumas palavras inglesas, em alguns casos, atribuindo-lhes um significado completamente novo que se adequa às suas necessidades.
Por exemplo, para os falantes do português brasileiro uma cabina de duche chama-se box, o rato do computador transformou-se em mouse, shopping é um centro comercial que em inglês se chama mall, e o verbo blefando nasceu da palavra inglesa bluff embelezada com a pronúncia e a terminação do gerúndio brasileiro.
Fonética: sotaques muito diferentes 🔊
Por falar em “blefe”, a alteração da pronúncia é uma das mais vincadas diferenças entre português de Portugal e do Brasil.
Em Portugal, pronuncia-se de forma mais acentuada as vogais tónicas. Talvez por serem um povo mais descontraído, os brasileiros pronunciam as palavras mais lentamente, com as vogais átonas e tónicas mais realçadas e abertas.
Embora, obviamente, existam diferenças regionais ao nível dos sotaques em ambos os países, regra geral, diz-se que o sotaque do Brasil é mais doce e suave do que o europeu. Com o seu ritmo cantado, entre nós há mesmo quem se refira ao sotaque “brasileiro” como “português com uma pitada de açúcar”.
Já os brasileiros chegam a considerar que o português europeu soa mais áspero, como uma língua eslava!
Não é falso que os falantes de línguas eslavas têm muita facilidade para aprender o português de Portugal. E também é verdade que os estrangeiros tendem a aprender mais facilmente o português do Brasil, do que o de Portugal.
Mais diferenças 🔀
Mas não é o sotaque nem a sonoridade que mais confundem os estudantes do português como uma segunda língua. Existem algumas diferenças importantes entre as duas ortografias.
Com o novo acordo ortográfico, as palavras com consoantes “mudas” (que não se pronunciam), perderam essas consoantes na escrita, por exemplo:
✍️ acto,
✍️ reacção,
✍️ decepção.
perderam a letra c e p na escrita. Passaram a escrever-se:
✍️ ato,
✍️ reação,
✍️ deceção.
E continuam a ler-se como sempre foram lidas.
No Brasil, as palavras continuaram a ser escritas com as consoantes removidas por cá e, em alguns casos, estas são consoantes audíveis, isto é, pronunciam-se, como é o caso de “decepção”.
Já vimos que os brasileiros são criativos ao adaptar e assimilar palavras de outras línguas, nomeadamente o inglês, mas uma demonstração de criatividade ainda maior é a transformação de substantivos em verbos.
As novas palavras que assim ganham vida não existem no português europeu porque, neste aspecto, o idioma é muito mais rígido e fechado. Enquanto os portugueses para dar os parabéns a alguém precisam de usar um verbo, um artigo e um substantivo, os brasileiros simplesmente “parabenizam”. 🎁
A nível idiomático, as expressões são maioritariamente diferentes, a nível lexical há inúmeras discrepâncias e “falsos amigos” (falsos cognatos), e nem o vocabulário escapa, ora veja: 👀
Formalidades! 🎩💍
Uma das grandes dificuldades ao tentar harmonizar o português europeu com o brasileiro é o discurso formal e informal, com a palavra “você” como protagonista.
Os brasileiros utilizam “você” nos seus contactos informais, com as pessoas com quem sentem intimidade, mas também, em muitas situações, até em contextos mais formais. O “tu” não é tão utilizado, salvo alguns regionalismos. Ao contrário, em Portugal o “tu” é bastante comum.
Coloquialmente, os brasileiros conjugam os verbos com tu e o você da mesma forma, quando os verbos usados com tu devem ser conjugados na 2ª pessoa do singular, e é a forma que usamos no nosso dia-a-dia por cá.
Por saberem que entre nós se emprega o “tu”, muitos brasileiros procuram aplicar esta forma de tratamento a todas as situações, o que não podia ser mais estranho para nós!
Porque nós, portugueses, temos muito mais contacto com o português do Brasil do que ao contrário — muito por influência da TV, cujo horário nobre dos poucos canais disponíveis nos anos 80 e 90 foi durante décadas maioritariamente ocupado pelas “telenovelas” brasileiras, e da imprensa escrita porque muitas revistas e livros de banda desenhada editados em português do Brasil, pela velhinha editora Abril, eram comercializados por cá sem qualquer adaptação ou localização.
👄💬 Primeiro, por estarmos tão habituados a ouvir novelas brasileiras, nem conseguimos descrever o quão estranho é ouvir o “tu” pronunciado pelos nossos irmãos brasileiros — não combina com aquele “açúcar”!
👄💬 Em segundo lugar, o “tu” irá sempre soar rude ou agressivo em Portugal ao dirigir-se a pessoas mais velhas, desconhecidas, ou em quaisquer situações de carácter formal. E quando dizemos “mais velhas” não nos referimos apenas aos idosos, mas a qualquer pessoa apenas alguns anos mais velha do que nós.
👄💬 O “tu” entre nós é empregue exclusivamente ao falar com amigos, familiares e outras pessoas da mesma idade, e em circunstâncias informais, mas apenas se sentimos algum grau de intimidade.
Ah! Mas se é falante de português do Brasil e já está a pensar abolir completamente o “tu” e passar a usar “você” em todas as situações, saiba que os portugueses evitam o uso de “você” ao falar com directamente com as pessoas, salvo algumas excepções: se usado directamente no discurso, pode transmitir alguma aspereza ou pouca educação.
Normalmente, omitimos ambos os pronomes e conjugamos o verbo na terceira pessoa do singular.
Concluindo…☜
Porque prestamos serviços de tradução profissional, serviços de copywriting profissional e serviços de transcrição profissional, entre outros, é comum que clientes de países terceiros nos peçam uma tradução para o PT–BR ou que nos perguntem se poderão usar uma tradução realizada em PT–PT no Brasil, ou vice-versa.
A resposta é, claramente, “não”!
A menos que a mensagem se destine a ser apenas parcialmente compreendida ou que o cliente pretenda cultivar mal-entendidos.
Aqueles que conseguem compreender o português europeu compreenderão facilmente o português do Brasil, mas o inverso não é verdade.
Como já vimos, o português do Brasil é melhor compreendido em Portugal do que o português europeu pelos brasileiros. E mesmo no que diz respeito à linguagem mais técnica, isto continua a ser verdade — até a terminologia técnica tem várias diferenças relevantes.
Se analisarmos de uma forma geral, a língua ainda é a mesma, com várias regras gramaticais idênticas e vocabulário bastante similar. O que difere realmente é a questão do sotaque e a herança cultural, já que gírias e expressões são diferentes, produto da situação na qual o país está inserido.
Isto é natural, já que, ao contrário de línguas mortas como o latim, os idiomas em utilização vivem e respiram, estão em constante transformação e evolução — em parte pela exposição às diferentes culturas, em parte pelo simples passar do tempo e a respectiva mudança de mentalidades, o progresso, etc.
Portanto, o português europeu e o português brasileiro têm diferenças que persistem e irão persistir, venham os acordos ortográficos que vierem, porque radicam na identidade própria de cada um dos dois povos. E devem ser respeitadas.
Assim, a resposta mais adequada à pergunta que colocámos no início deste artigo talvez seja que se trata de uma mesma língua, mas que evoluiu de diferentes formas devido às diferenças históricas e culturais, portanto, não podem ser confundidos nem as suas discrepâncias ignoradas.
Gostou? Siga-nos para mais temas empolgantes do seu interesse! Clique aqui. ☜
E para aprofundar o tema, recomendamos vivamente estes dois excelentes recursos em vídeo da Revista Babbel (https://pt.babbel.com/pt/magazine/):
0 Comments