Quais os desafios mais comuns para os tradutores?

​Li algures, em tempos, que traduzir é como montar uma máquina igual à original, mas com peças diferentes.

Desengane-se quem pensa que para cada palavra do idioma de partida apenas terá de procurar a palavra equivalente na sua língua. A dada altura do processo — talvez mais cedo do que espera — irá perceber que as peças do seu puzzle são diferentes, mas que com elas terá de montar um puzzle equivalente. 🧩 🧩

Quem trabalha na área das traduções, seja a prestar serviços de tradução técnica ou serviços de tradução criativa, por exemplo, sabe muito bem o quão desafiante pode ser este trabalho. O mesmo já não se pode dizer do público em geral, sem conhecimentos específicos, que costuma ter noções muito simplistas e redutoras da tradução.

Não precisa de tentar traduzir línguas artísticas ou ficcionais como klingon, alto valiriano, na’vi, dothraki, chakobsa, ou sardaukar para encontrar palavras e expressões sem qualquer equivalente no seu idioma! 🍄 🐉

Principalmente quando se trata de pares de idiomas que não têm qualquer proximidade ou similaridade entre si. É comum o tradutor deparar-se com peças do puzzle no idioma de origem que não existem na sua língua natal.

Nestes casos, quando não existe nenhuma tradução directa, é preciso encontrar uma frase de carácter explicativo, mas sem parecer que o é, porque tem de soar natural, compreende? É realmente complexo.

Existem vários outros factores linguísticos, lexicais, sintácticos e textuais que afectam o processo de tradução, mas são as diferenças interlinguísticas a fonte principal de dificuldades de tradução.

Algumas palavras têm significados que, figurativamente, podem ser contrários aos seus significados reais no dicionário.

Por exemplo, na língua inglesa, “sick” significa doente ou doentio. No entanto, se for usado em sentido figurado, como na expressão “That’s sick!” pode referir-se a algo realmente mau, como pode referir-se a algo fantástico! Apenas o tom de voz e a expressão facial, que não temos por escrito, ou o contexto, poderão indicar-nos qual dos dois sentidos opostos é o pretendido.

Sabia que em alguns países as pessoas têm 20 dedos, enquanto noutros países têm 10? 🤔

Se perguntarmos a uma criança portuguesa, espanhola, russa ou até japonesa quantos dedos tem, ela responderá 20.

Porém, basta perguntar a uma criança inglesa ou alemã quantos dedos tem e ela certamente responderá que tem 10! 🖐🏻

Porque alguns idiomas consideram que os dedos dos pés e das mãos são partes do corpo completamente diferentes e merecem nomes distintos: finger e toe no inglês ou finger e zehen no alemão. No nosso caso distinguimos ambos apenas como “dedos das mãos” e “dedos dos pés”.

Se alguém traduzisse que a professora tocou nas costas do aluno com um dedo, mas utilizasse erradamente o termo “toe”, a palavra realmente significa dedo, mas os destinatários do texto iriam entender que a professora tocou nas costas do aluno… com um dedo do pé! 🦶🏻

No mínimo, caricato…!

Dificuldades mais frequentes nas traduções

  • Expressões idiomáticas, sentido figurado e calão
  • Tradução de estruturas linguísticas diferentes
  • Palavras que não existem no idioma de destino
  • Palavras com múltiplos significados
  • Tradução de palavras compostas
  • Tradução de verbos com duas palavras
  • Listas de termos ou expressões sem contexto
  • Tradução de ironia e sarcasmo
  • Tradução de textos humorísticos, piadas
  • Tradução de poesia…

O processo de tradução é complexo ⚙️ 👷

Enquanto há duas décadas a pesquisa terminológica era realizada maioritariamente em suporte de papel, nos dicionários, na consulta de textos paralelos, livros técnicos, etc., nos nossos dias esta pesquisa é quase exclusivamente realizada na Internet — recurso que, pelo seu conteúdo quase ilimitado, é uma ferramenta de trabalho actualmente indispensável aos tradutores profissionais.

Este trabalho baseia-se maioritariamente nos motores de busca, como o Google, Bing, Ask, Yahoo ou Duck Duck Go, mas os profissionais de tradução técnica recorrem também às bases de dados terminológicas, como o IATE, o Proz ou o EUR-Lex.

Ainda assim, principalmente na área das traduções técnicas, uma colecção física de obras de referência nos campos técnicos específicos em que se trabalha continua a ser uma mais-valia.

Tudo isto demonstra que ter competência num idioma ou mesmo nos idiomas de origem e de destino não é suficiente para conseguir produzir uma boa tradução. A tradução é um processo complexo que envolve várias competências e sub-competências.

Às competências de investigação mencionadas alia-se uma sub-competência fulcral: a capacidade para “filtrar” os resultados das pesquisas — nem tudo o que surge é útil e nem tudo o que surge é verdade, há que saber distinguir o trigo do joio.

Nas competências textuais, encontramos as fundamentais capacidades de análise e interpretação de texto, mas não podemos esquecer a capacidade de produção de texto propriamente dita. Não basta que o texto de origem esteja bem escrito para se obter um bom texto na língua de chegada. O tradutor tem de ter boas capacidades de escrita próprias para produzir um texto de qualidade no seu idioma nativo.

Além disso, a tradução exige sempre conhecimentos culturais sólidos de ambas as partes, uma vez que o profissional deve ser capaz de produzir uma tradução que funcione no idioma de chegada tal como funcionava no idioma de partida. Isto não seria possível sem competências de adaptação à realidade vivida pelo público-alvo falante do idioma de chegada.

Um dos desafios mais comuns é a polissemia

Polissemia, do grego polis, que diz respeito a “muitos” enquanto sema indica “significado”, é a existência de vários significados válidos para uma mesma palavra. 🏺

Ao optar pela tradução directa corre-se o risco de falhar o alvo e o resultado será uma tradução errada. Umas vezes depreendemos o significado certo pelo contexto, outras vezes, mesmo tendo em conta o contexto, o sentido é ambíguo. E, por vezes, traduzimos listas de palavras soltas, sem qualquer contexto que nos valha.

Por exemplo, “letra” pode significar “letra do alfabeto” 🔤, a “grafia” de cada pessoa em particular ✍️ ou a “letra de uma música” 🎶.

Os “falsos amigos” não são os seus vizinhos do lado! 😬
.
Brincadeiras à parte, esta expressão refere-se a uma dificuldade do domínio do léxico que surge quando existe uma falsa semelhança entre palavras num idioma e no outro, que pode induzir ao erro.

Falsos amigos, ou falsos cognatos, são palavras que, em dois idiomas diferentes, parecem semelhantes, mas têm um significado diferente.

Estes erros serão mais ou menos graves consoante a diferença entre um e outro termo.

Um exemplo é o termo “severity”, semelhante a “severidade”, que significa austeridade e rigidez, mas a palavra inglesa significa “gravidade”.

Um idioma repleto de falsos amigos em relação ao português é o castelhano. Muitos portugueses pensam que falam “espanhol” (leia-se, castelhano) devido à semelhança de sonoridade e mesmo da grafia de muitas palavras, mas acabam a falar o chamado “portunhol” ou pior — algo que, para os espanhóis, é ininteligível.

Nem tudo o que parece é. Por exemplo, grão (grão-de-bico) não é “grano” e sim “garbanzo”, não podia ser mais distante. Grano significa grão, mas somente no caso de um grão de areia ou cereal.

Outro exemplo seria “apenas”. Para nós “apenas” significa “somente; no país vizinho significa “logo que…”.

De facto, são ambas línguas latinas e existe uma proximidade não apenas geográfica, porém, não são tão parecidas como as pessoas julgam — e além dos falsos amigos existem diferenças gramáticas e a conjugação verbal também é diferente.

Consulte a extensa lista de falsos amigos aqui e perceberá a dimensão do problema:

https://ec.europa.eu/translation/portuguese/magazine/documents/folha47_lista_pt.pdf

As ambiguidades na linguagem são muitas e são variadas

Podem se lexicais, temáticas, estruturais, analíticas… As lexicais radicam na polissemia, na homonímia, etc. De um ponto de vista sintáctico, temos as várias possibilidades de agrupamento dos constituintes de uma oração, em que diferentes alternativas de agrupamento ou combinação podem resultar em frases ambíguas. Estas ambiguidades são estruturais.

  • “A Inês deixou a escola no autocarro errado.”

Se atentarmos apenas à gramática, é possível relacionar os elementos da frase de forma diferente. Poderíamos pensar que a escola se encontrava no autocarro errado e a Inês deixou-a lá. Precisamos dos nossos conhecimentos do mundo, para determinar que uma escola não poderia estar dentro do autocarro, portanto a Inês veio para casa no autocarro errado e a escola ficou lá, no mesmo lugar.

  • “The examiner seemed nice to me.”

Podemos entender que, na minha opinião, ele é uma boa pessoa em geral, senti que tinha estas qualidades, era simpático e agradável. Mas podemos entender também que ele foi simpático para mim, em particular, o que não significa que me tenha parecido boa pessoa em geral. O homem poderia ser uma pessoa horrível, mas foi simpático no meu caso. Neste caso, é mais difícil determinar qual das duas interpretações seria correcta, sem mais contexto.

  • “The child is ready to eat.”

Significa, claramente, que a criança está preparada para começar a comer. Porém, se mudarmos apenas o substantivo e dissermos “The duck is ready to eat” pode significar que está na hora de ir alimentar o nosso pato, ele está pronto para comer. Mas, gramaticalmente, há a possibilidade de termos um pato assado dentro do forno, pronto a ser comido, é igual.

No primeiro caso não há ambiguidade, mas não são apenas as palavras em si, e a gramática, que nos permitem determinar que a criança não poderia ser comida, mas a nossa sensibilidade e os nossos conhecimentos do mundo.

Mas a temática também confere ambiguidade, porque se estivéssemos a traduzir um livro sobre canibalismo, a interpretação da primeira frase deixaria de ser óbvia!

  • “A man was lying with his face to the wall.”

Sem imagem nem contexto que nos permitisse interpretar as palavras, como saberíamos se o homem estava com o rosto virado para a parede ou para o muro?

A nossa experiência poderá dizer-nos que é mais provável um ser humano estar deitado no interior do que no meio da rua… Mas, se pensarmos bem, não é impossível que esta cena se passe ao ar livre, o sujeito da frase pode ser um sem-abrigo que dorme junto a um muro.

  • “Sit Down.”

Existem ambiguidades pragmáticas. Se o contexto não nos ajudar, um simples “sente-se” pode ser um pedido ou uma ordem, dependendo da entoação e da expressão facial de quem fala. Mas estes são recursos que não temos num texto escrito.

A linguagem em si está cheia de subtilezas que não podem ser totalmente compreendidas apenas conhecendo as palavras.

As ambiguidades podem ser propositadas ou não.

Se o autor de um texto utilizou a ambiguidade propositadamente, cabe ao tradutor conseguir mantê-la na tradução.

Porém, isto só será uma tarefa fácil se o autor não recorreu a palavras com duplo ou triplo sentido no idioma de origem, mas que só têm uma única tradução na língua de destino. Nesse caso, o tradutor terá diante de si um desafio!

É fácil concluirmos que definir a tradução como um processo de transferência de palavras ou texto escrito de uma língua para outra língua diferente é extremamente redutor.

Portanto, um tradutor deve ter:

  • competência linguística
  • competência de investigação
  • competência textual
  • competência técnica
  • competência cultural

Às quais se juntam, indissociavelmente, a capacidade de resolução de problemas, porque o tradutor tem de saber pensar estrategicamente e fugir às suas rotinas mentais para fazer face aos desafios da tradução com que se depara regularmente. É essencial adquirir automatismos que lhe permitam identificar e responder a estes desafios, já que são incontornáveis e mais frequentes do que se possa pensar.

Traduzir não é apenas transportar conteúdo léxico e gramatical entre dois idiomas, porque o significado do texto não reside somente na gramática e no léxico.

O significado depende da interpretação que fazemos do texto, com recurso aos conhecimentos pessoais do leitor ou tradutor, que vão muito além do conhecimento linguístico. Os múltiplos significados de cada palavra devem ser escolhidos ou decididos pelo tradutor consoante o contexto, o conteúdo interno tem de ser relacionado com conteúdos externos, e a compreensão está sujeita a vários pontos de vista, que podem nem ser pessoais, mas sim culturais.

Não perca o artigo seguinte, que decorre destas complexidades da linguagem humana, sobre as consequências dos erros de tradução. Siga-nos nas redes sociais e/ou registe-se na nossa newsletter aqui.

​Li algures, em tempos, que traduzir é como montar uma máquina igual à original, mas com peças diferentes.

Desengane-se quem pensa que para cada palavra do idioma de partida apenas terá de procurar a palavra equivalente na sua língua. A dada altura do processo — talvez mais cedo do que espera — irá perceber que as peças do seu puzzle são diferentes, mas que com elas terá de montar um puzzle equivalente. 🧩 🧩

Quem trabalha na área das traduções, seja a prestar serviços de tradução técnica ou serviços de tradução criativa, por exemplo, sabe muito bem o quão desafiante pode ser este trabalho. O mesmo já não se pode dizer do público em geral, sem conhecimentos específicos, que costuma ter noções muito simplistas e redutoras da tradução.

Não precisa de tentar traduzir línguas artísticas ou ficcionais como klingon, alto valiriano, na’vi, dothraki, chakobsa, ou sardaukar para encontrar palavras e expressões sem qualquer equivalente no seu idioma! 🍄 🐉

Principalmente quando se trata de pares de idiomas que não têm qualquer proximidade ou similaridade entre si. É comum o tradutor deparar-se com peças do puzzle no idioma de origem que não existem na sua língua natal.

Nestes casos, quando não existe nenhuma tradução directa, é preciso encontrar uma frase de carácter explicativo, mas sem parecer que o é, porque tem de soar natural, compreende? É realmente complexo.

Existem vários outros factores linguísticos, lexicais, sintácticos e textuais que afectam o processo de tradução, mas são as diferenças interlinguísticas a fonte principal de dificuldades de tradução.

Algumas palavras têm significados que, figurativamente, podem ser contrários aos seus significados reais no dicionário.

Por exemplo, na língua inglesa, “sick” significa doente ou doentio. No entanto, se for usado em sentido figurado, como na expressão “That’s sick!” pode referir-se a algo realmente mau, como pode referir-se a algo fantástico! Apenas o tom de voz e a expressão facial, que não temos por escrito, ou o contexto, poderão indicar-nos qual dos dois sentidos opostos é o pretendido.

Sabia que em alguns países as pessoas têm 20 dedos, enquanto noutros países têm 10? 🤔

Se perguntarmos a uma criança portuguesa, espanhola, russa ou até japonesa quantos dedos tem, ela responderá 20.

Porém, basta perguntar a uma criança inglesa ou alemã quantos dedos tem e ela certamente responderá que tem 10! 🖐🏻

Porque alguns idiomas consideram que os dedos dos pés e das mãos são partes do corpo completamente diferentes e merecem nomes distintos: finger e toe no inglês ou finger e zehen no alemão. No nosso caso distinguimos ambos apenas como “dedos das mãos” e “dedos dos pés”.

Se alguém traduzisse que a professora tocou nas costas do aluno com um dedo, mas utilizasse erradamente o termo “toe”, a palavra realmente significa dedo, mas os destinatários do texto iriam entender que a professora tocou nas costas do aluno… com um dedo do pé! 🦶🏻

No mínimo, caricato…!

Dificuldades mais frequentes nas traduções

  • Expressões idiomáticas, sentido figurado e calão
  • Tradução de estruturas linguísticas diferentes
  • Palavras que não existem no idioma de destino
  • Palavras com múltiplos significados
  • Tradução de palavras compostas
  • Tradução de verbos com duas palavras
  • Listas de termos ou expressões sem contexto
  • Tradução de ironia e sarcasmo
  • Tradução de textos humorísticos, piadas
  • Tradução de poesia…

O processo de tradução é complexo ⚙️ 👷

Enquanto há duas décadas a pesquisa terminológica era realizada maioritariamente em suporte de papel, nos dicionários, na consulta de textos paralelos, livros técnicos, etc., nos nossos dias esta pesquisa é quase exclusivamente realizada na Internet — recurso que, pelo seu conteúdo quase ilimitado, é uma ferramenta de trabalho actualmente indispensável aos tradutores profissionais.

Este trabalho baseia-se maioritariamente nos motores de busca, como o Google, Bing, Ask, Yahoo ou Duck Duck Go, mas os profissionais de tradução técnica recorrem também às bases de dados terminológicas, como o IATE, o Proz ou o EUR-Lex.

Ainda assim, principalmente na área das traduções técnicas, uma colecção física de obras de referência nos campos técnicos específicos em que se trabalha continua a ser uma mais-valia.

Tudo isto demonstra que ter competência num idioma ou mesmo nos idiomas de origem e de destino não é suficiente para conseguir produzir uma boa tradução. A tradução é um processo complexo que envolve várias competências e sub-competências.

Às competências de investigação mencionadas alia-se uma sub-competência fulcral: a capacidade para “filtrar” os resultados das pesquisas — nem tudo o que surge é útil e nem tudo o que surge é verdade, há que saber distinguir o trigo do joio.

Nas competências textuais, encontramos as fundamentais capacidades de análise e interpretação de texto, mas não podemos esquecer a capacidade de produção de texto propriamente dita. Não basta que o texto de origem esteja bem escrito para se obter um bom texto na língua de chegada. O tradutor tem de ter boas capacidades de escrita próprias para produzir um texto de qualidade no seu idioma nativo.

Além disso, a tradução exige sempre conhecimentos culturais sólidos de ambas as partes, uma vez que o profissional deve ser capaz de produzir uma tradução que funcione no idioma de chegada tal como funcionava no idioma de partida. Isto não seria possível sem competências de adaptação à realidade vivida pelo público-alvo falante do idioma de chegada.

Um dos desafios mais comuns é a polissemia

Polissemia, do grego polis, que diz respeito a “muitos” enquanto sema indica “significado”, é a existência de vários significados válidos para uma mesma palavra. 🏺

Ao optar pela tradução directa corre-se o risco de falhar o alvo e o resultado será uma tradução errada. Umas vezes depreendemos o significado certo pelo contexto, outras vezes, mesmo tendo em conta o contexto, o sentido é ambíguo. E, por vezes, traduzimos listas de palavras soltas, sem qualquer contexto que nos valha.

Por exemplo, “letra” pode significar “letra do alfabeto” 🔤, a “grafia” de cada pessoa em particular ✍️ ou a “letra de uma música” 🎶.

Os “falsos amigos” não são os seus vizinhos do lado! 😬
.
Brincadeiras à parte, esta expressão refere-se a uma dificuldade do domínio do léxico que surge quando existe uma falsa semelhança entre palavras num idioma e no outro, que pode induzir ao erro.

Falsos amigos, ou falsos cognatos, são palavras que, em dois idiomas diferentes, parecem semelhantes, mas têm um significado diferente.

Estes erros serão mais ou menos graves consoante a diferença entre um e outro termo.

Um exemplo é o termo “severity”, semelhante a “severidade”, que significa austeridade e rigidez, mas a palavra inglesa significa “gravidade”.

Um idioma repleto de falsos amigos em relação ao português é o castelhano. Muitos portugueses pensam que falam “espanhol” (leia-se, castelhano) devido à semelhança de sonoridade e mesmo da grafia de muitas palavras, mas acabam a falar o chamado “portunhol” ou pior — algo que, para os espanhóis, é ininteligível.

Nem tudo o que parece é. Por exemplo, grão (grão-de-bico) não é “grano” e sim “garbanzo”, não podia ser mais distante. Grano significa grão, mas somente no caso de um grão de areia ou cereal.

Outro exemplo seria “apenas”. Para nós “apenas” significa “somente; no país vizinho significa “logo que…”.

De facto, são ambas línguas latinas e existe uma proximidade não apenas geográfica, porém, não são tão parecidas como as pessoas julgam — e além dos falsos amigos existem diferenças gramáticas e a conjugação verbal também é diferente.

Consulte a extensa lista de falsos amigos aqui e perceberá a dimensão do problema:

https://ec.europa.eu/translation/portuguese/magazine/documents/folha47_lista_pt.pdf

As ambiguidades na linguagem são muitas e são variadas

Podem se lexicais, temáticas, estruturais, analíticas… As lexicais radicam na polissemia, na homonímia, etc. De um ponto de vista sintáctico, temos as várias possibilidades de agrupamento dos constituintes de uma oração, em que diferentes alternativas de agrupamento ou combinação podem resultar em frases ambíguas. Estas ambiguidades são estruturais.

  • “A Inês deixou a escola no autocarro errado.”

Se atentarmos apenas à gramática, é possível relacionar os elementos da frase de forma diferente. Poderíamos pensar que a escola se encontrava no autocarro errado e a Inês deixou-a lá. Precisamos dos nossos conhecimentos do mundo, para determinar que uma escola não poderia estar dentro do autocarro, portanto a Inês veio para casa no autocarro errado e a escola ficou lá, no mesmo lugar.

  • “The examiner seemed nice to me.”

Podemos entender que, na minha opinião, ele é uma boa pessoa em geral, senti que tinha estas qualidades, era simpático e agradável. Mas podemos entender também que ele foi simpático para mim, em particular, o que não significa que me tenha parecido boa pessoa em geral. O homem poderia ser uma pessoa horrível, mas foi simpático no meu caso. Neste caso, é mais difícil determinar qual das duas interpretações seria correcta, sem mais contexto.

  • “The child is ready to eat.”

Significa, claramente, que a criança está preparada para começar a comer. Porém, se mudarmos apenas o substantivo e dissermos “The duck is ready to eat” pode significar que está na hora de ir alimentar o nosso pato, ele está pronto para comer. Mas, gramaticalmente, há a possibilidade de termos um pato assado dentro do forno, pronto a ser comido, é igual.

No primeiro caso não há ambiguidade, mas não são apenas as palavras em si, e a gramática, que nos permitem determinar que a criança não poderia ser comida, mas a nossa sensibilidade e os nossos conhecimentos do mundo.

Mas a temática também confere ambiguidade, porque se estivéssemos a traduzir um livro sobre canibalismo, a interpretação da primeira frase deixaria de ser óbvia!

  • “A man was lying with his face to the wall.”

Sem imagem nem contexto que nos permitisse interpretar as palavras, como saberíamos se o homem estava com o rosto virado para a parede ou para o muro?

A nossa experiência poderá dizer-nos que é mais provável um ser humano estar deitado no interior do que no meio da rua… Mas, se pensarmos bem, não é impossível que esta cena se passe ao ar livre, o sujeito da frase pode ser um sem-abrigo que dorme junto a um muro.

  • “Sit Down.”

Existem ambiguidades pragmáticas. Se o contexto não nos ajudar, um simples “sente-se” pode ser um pedido ou uma ordem, dependendo da entoação e da expressão facial de quem fala. Mas estes são recursos que não temos num texto escrito.

A linguagem em si está cheia de subtilezas que não podem ser totalmente compreendidas apenas conhecendo as palavras.

As ambiguidades podem ser propositadas ou não.

Se o autor de um texto utilizou a ambiguidade propositadamente, cabe ao tradutor conseguir mantê-la na tradução.

Porém, isto só será uma tarefa fácil se o autor não recorreu a palavras com duplo ou triplo sentido no idioma de origem, mas que só têm uma única tradução na língua de destino. Nesse caso, o tradutor terá diante de si um desafio!

É fácil concluirmos que definir a tradução como um processo de transferência de palavras ou texto escrito de uma língua para outra língua diferente é extremamente redutor.

Portanto, um tradutor deve ter:

  • competência linguística
  • competência de investigação
  • competência textual
  • competência técnica
  • competência cultural

Às quais se juntam, indissociavelmente, a capacidade de resolução de problemas, porque o tradutor tem de saber pensar estrategicamente e fugir às suas rotinas mentais para fazer face aos desafios da tradução com que se depara regularmente. É essencial adquirir automatismos que lhe permitam identificar e responder a estes desafios, já que são incontornáveis e mais frequentes do que se possa pensar.

Traduzir não é apenas transportar conteúdo léxico e gramatical entre dois idiomas, porque o significado do texto não reside somente na gramática e no léxico.

O significado depende da interpretação que fazemos do texto, com recurso aos conhecimentos pessoais do leitor ou tradutor, que vão muito além do conhecimento linguístico. Os múltiplos significados de cada palavra devem ser escolhidos ou decididos pelo tradutor consoante o contexto, o conteúdo interno tem de ser relacionado com conteúdos externos, e a compreensão está sujeita a vários pontos de vista, que podem nem ser pessoais, mas sim culturais.

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