A maioria das pessoas acredita que seria fabuloso poder trabalhar em casa — até experimentarem. 🙄
Existe o benefício da maior flexibilidade, mas qualquer pessoa que se sustente desta forma há alguns anos sabe que, sem impor a si própria uma rigidez considerável, o teletrabalho não será um meio de sustento eficaz.
Poderá existir um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, uma vez que estamos mais tempo presentes no lar. Porém, sem delimitarmos as fronteiras entre o nosso tempo profissional e o tempo pessoal, o teletrabalho nunca chegará a ser o nosso ganha-pão.
Existe mais liberdade e independência e não temos de nos subjugar a políticas de conduta empresarial, e é verdade que poderíamos até fazer uma sesta nos casos de “sono intenso pós-almoço”. Mas o esforço necessário em termos de organização pessoal e autodisciplina não pode ser subestimado.
É trabalho. Com todos os seus prós e contras, é trabalho. O cenário é que muda.
É difícil não sentirmos que devemos fazer todo o trabalho do lar, porque estamos lá…! Aqueles que trabalham fora de casa, fecham a porta pela manhã e, no interior da habitação, é como se o tempo congelasse — quando regressam ao anoitecer, nada saiu do lugar.
Mas nós que trabalhamos remotamente, estamos lá… usamos a casa ao longo do dia, fazemos um café, um chá, damos o lanche aos miúdos, deixamos uma chávena aqui, uma toalha ali. Se tivermos crianças, elas não estarão na creche, ficarão em casa, a desarrumar e a sujar, todo o dia, todos os dias.
Ainda agora estava tudo limpo e arrumado, mas de repente, é preciso varrer as migalhas do chão, lavar a loiça, ou estender a roupa que a máquina já lavou. E, quando damos por isso, as únicas pausas que fizemos no trabalho foram dedicadas à lida doméstica.
Multitasking
Sim, evitamos o caos e a correria dos transportes e do trânsito, e a loucura de ter de fazer compras ou levar os filhos à escola antes de chegar à empresa, mas, na realidade, trabalhar em casa é como ter dois empregos.
A diferença é que, ao invés de sair de um para entrar no outro, dividimo-nos continuamente entre ambos os empregos ao longo de um mesmo dia, todos os dias. E temos de nos repartir e multiplicar, para que possamos atender a todas a necessidades — tanto profissionais, como pessoais, familiares, conjugais ou domésticas.
Uma coisa que sempre me disseram foi que seria maravilhoso poderem estar em casa com os filhos, não terem de pagar a mensalidade do infantário ou da ama e transportar os miúdos para trás e para a frente, tirá-los da cama tantas vezes antes de o sol brilhar e ir buscá-los quando o sol já se pôs há muito…
Compreendo, mas há algo que gostaria de dizer a todos aqueles que pensam desta forma — a principal queixa do meu filho à terapeuta era precisamente “a minha mãe está sempre a trabalhar e não tem tempo para mim” ou “ela está sempre em casa, mas sinto-me sozinho”.
Eu estava lá, e sempre vigilante, e nunca deixava que lhe faltasse nada, mas é verdade que passava a maior parte do tempo no computador, a trabalhar.
Como compreenderia uma criança com 4 ou 5 anos que a mãe estava ali mesmo ao lado, mas não podia dar-lhe atenção? Aliás, por vezes, nem sequer podia ser interrompida? Como se diz a um filho pequenino que (agora) não podemos atendê-lo, embora estejamos mesmo ali mesmo ao lado, sem que este se sinta preterido ou negligenciado?
E quando temos uma criança doente, mas não deixamos de ter prazos a cumprir e clientes a satisfazer ou contas para pagar?
O trabalho tem de ser feito, mas a criança arde em febre e é necessário fazer arrefecimentos, medir a temperatura, medicá-la de 4 em 4 horas, dar a papinha paulatinamente para garantir que se mantém no estômago e a criança não a vomita. E dar carinho e atenção extra, porque se estão doentes sentem-se fragilizados e precisam de amor a dobrar!
Passamos horas a cuidar dos filhos, mas o trabalho que deveria ter sido feito nesse tempo não ficou à espera no escritório para ser feito no nosso regresso, nem podemos tirar uns dias para assistência à família.
O trabalho tem de ser feito “hoje” — até porque o trabalho de um freelancer muitas vezes é “para ontem” — e temos de o encaixar forçosamente naqueles momentos em que o pequeno doente faz uma breve sesta, ou durante a noite quando finalmente adormeceu, e abdicamos mais uma vez do nosso precioso sono.
Estarmos disponíveis para os nossos filhos pode ser simultaneamente a melhor e a pior parte de trabalhar a partir de casa. A expectativa é que estaremos lá para quando choram, para quando riem, para quando têm fome ou se sentem sozinhos.
Dei comigo tantas vezes a dizer ao meu filho “Podes pedir à avó que te ate os sapatos?” E isto quando existia alguém em quem delegar, porque nos meus primeiros anos de freelancer éramos mesmo só os dois.
Outra desvantagem é que os professores dos nossos filhos saberão, inevitavelmente, que trabalhamos em casa e ligam-nos a qualquer hora dizendo: “Preciso que venha à escola amanhã às 14 h, sem falta.” E se respondemos que tal não será possível porque estamos a trabalhar, então somos negligentes e não estamos suficientemente interessados nos nossos educandos.
Os outros pais têm desculpa, nós, os que trabalhamos em casa, nem por isso! E quantas vezes os professores me recrutaram para realizar tarefas para as actividades da turma porque, no fim de contas, era eu a mãe que estava em casa.
Expectativas
O pior de tudo nem são as expectativas dos outros para connosco, são as expectativas que depositamos em nós mesmos:
…que devemos conseguir entregar sempre todo o trabalho a tempo e horas e isento de erros.
…que devemos manter a casa sempre limpa e arrumada, porque estamos a ver a desordem permanentemente e porque pode sempre aparecer alguém (não fossem as visitas julgar que somos umas desleixadas).
…que devemos confeccionar e servir as refeições sempre a tempo e horas, afinal as crianças precisam de rotinas.
…que devemos cuidar da saúde e bem-estar dos nossos filhos, mas também dedicar-lhes muito “tempo de qualidade”.
…que devemos ser encarregados de educação exemplares, daqueles que não faltam a uma reunião e participam em todas as actividades extracurriculares ou lúdicas…
Já está a ficar cansada(o)?
Digo sempre que a única coisa que podemos fazer é dar o nosso melhor sem nos esquecermos de que, se somos necessárias aos nossos filhos, então é melhor que nos cuidemos para podermos continuar por cá a atender às necessidades deles.
Se dermos o nosso melhor, com a consciência de que não somos perfeitos e permitindo-nos também falhar, respeitaremos mais o nosso corpo e a nossa mente e seremos melhores profissionais e melhores mães/pais. Como se diz em inglês, Do your best and enjoy the rest!
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