A Pós-edição de Tradução Automática – Parte 1

O melhor de dois mundos ou o pior da Indústria 4.0?

“O trabalho de uma editora de texto é, em grande parte, invisível, até que lhe escapa alguma coisa, nesse caso a culpa é dela.”

Merrill Perlman

Esta frase constitui uma boa reflexão quando pensamos em pós-edição de tradução automática, mais conhecido como MTPE (Machine Translation Post-editing), e a “culpa” dá o mote para a nossa análise.

Graças aos extraordinários avanços da Inteligência Artificial a que temos assistido e à outrora impensável Aprendizagem Automática (Machine Learning), este é um tema cada vez mais em voga nos nossos dias, principalmente para os profissionais de serviços linguísticos, como é o caso dos profissionais de tradução, de revisão, transcriação e localização e, claro, os profissionais de copywriting e edição de texto.

Apesar de os profissionais humanos continuarem a ser indispensáveis no processo de tradução, com os progressos nos equipamentos e os algoritmos em constante evolução, a tradução automática tem vindo a penetrar no mercado a um ritmo assustador e tornou-se um dos temas quentes do momento.

Podemos definir tradução automática ou MT como a tradução por meio de software especializado de uma língua natural para outra língua natural com base em determinadas regras, padrões e estatísticas, sem qualquer intervenção humana.

A tradução automática atinge actualmente níveis de qualidade bastante aceitáveis, o que representa um duplo benefício para o cliente — a alta velocidade aliada à qualidade — e um grande desafio para o tradutor — o receio de se tornar redundante e, ao embarcar nesta jornada para o futuro, a dificuldade em obter um valor justo pelo seu esforço de pós-edição.

Então, qual o papel dos profissionais de tradução na MT?

Quando as empresas optam pela tradução automática, os profissionais humanos realizam a chamada pós-edição de tradução automática (MTPE), uma espécie de fusão entre a precisão da tradução humana com a velocidade da tradução automática, garantindo um trabalho de qualidade.

Um profissional que faz pós-edição é chamado “pós-editor”.

A pós-edição em geral, isto é, sem se referir aos processos de tradução ou escrita automáticos, consiste na melhoria de uma tradução ou produção escrita realizando mais alterações a um texto depois de este já ter passado por um processo em que foi verificado e foram feitas correcções e melhorias.

Idealmente, a pós-edição de tradução automática consistiria no processo de melhoria dos resultados obtidos com software, mas com um mínimo de trabalho manual. Será isso que acontece na realidade?

Exploraremos a questão mais adiante.

E qual é a diferença entre uma revisão e uma pós-edição?

Um revisor detecta e corrige os erros ortográficos e de pontuação, e as incoerências, ao passo que a edição corrige problemas de escrita propriamente dita, como a construção frásica, a clareza, o contexto e o estilo da linguagem.

Regra geral, o grau de dificuldade no trabalho do pós-editor será proporcional às competências e experiência do tradutor, ao contrário, no caso da tradução automática, apenas uma pós-edição exaustiva e competente permitirá obter resultados finais de qualidade, assegurando a melhor legibilidade e clareza, e o tom de voz certo para o texto.

Tipos de MTPE e estratégias de pós-edição

O processo de pós-edição depende das expectativas do cliente, que devem sempre ser especificadas de antemão.

Os pontos principais a debater previamente são o tempo, o preço e a qualidade, pois são estes que vão determinar as estratégias que o pós-editor irá utilizar no seu trabalho.

  • Pós-edição ligeira (Light post editing)

O cliente pretende uma tradução final de qualidade aceitável; quer que sejam levadas a cabo o mínimo de edições possível à tradução automática, a fim de obter um resultado apenas legível e com um grau de exactidão satisfatório; privilegia um serviço rápido e económico.

  • Pós-edição completa (Full post-editing)

O cliente quer uma tradução final de alta qualidade; pretende que se faça uma revisão exaustiva da tradução automática e espera que o pós-editor melhore a gramática, a consistência, o tom, o estilo e a adequação das expressões; pretende que o texto produzido soe natural e fluido; está disposto a pagar pela qualidade pretendida. Dever-se-á confirmar com o cliente se existe liberdade para ignorar a tradução automática quando não parece adequada e traduzir livremente.

A abordagem do profissional a uma pós-edição completa será, obviamente, muito mais lenta e, consequentemente, também mais cara do que uma pós-edição ligeira. A estratégia específica do projecto tem de ser obrigatoriamente adaptada às expectativas de tempo, custos e qualidade por parte do cliente.

Claro que podem ser acordadas outras opções de forma a que o serviço seja compensador para ambas as partes, por exemplo, dando prioridade apenas a certos segmentos com maior importância ou valor, revendo-os de forma mais exaustiva, e dando uma leitura mais superficial ao restante conteúdo.

Pode ser tentador para os clientes abdicar da pós-edição completamente, o que até poderia não ser totalmente desastroso dependendo do teor dos materiais.

Por exemplo, poder-se-á tratar de documentação interna que não será lida por ninguém exterior à empresa e apenas se pretender que os colaboradores compreendam a informação em linhas gerais.

Se temos um texto fonte muito simples em termos de estrutura frásica sobre temas correntes, ou quando temos um texto técnico bastante básico com uma boa base de dados terminológica, a probabilidade de obtermos más traduções por parte da IA é baixa.

Porém, seria de esperar que as empresas que precisam regularmente de traduções soubessem que, embora a tradução automática tenha melhorado de uma forma abismal nos últimos anos, ainda não se compara à precisão dos tradutores humanos.

É evidente que, além das poucas excepções que acabámos de mencionar, descartar a pós-edição da tradução automática é um erro que poderá sair muito mais caro ao cliente do que o que teria pago a um profissional competente! É por isso que cada vez mais empresas estão agora a recorrer à pós-edição de tradução automática, porque sabem que nada ultrapassa a sensibilidade, a flexibilidade e a precisão dos linguistas humanos.

É verdade que a utilização da tradução automática acelera o processo em comparação com um tradutor humano, especialmente no caso de traduções volumosas e repetitivas, mas nada se compara a um editor humano para garantir que o trabalho resultante está livre de erros e é consistente.

Um tradutor que utiliza a MT para traduzir instantaneamente grandes volumes de texto, apenas como auxílio à digitação, fica com mais tempo livre para se concentrar nos pequenos detalhes e nos elementos mais criativos, aperfeiçoando o texto na pós-edição.

Mas existem requisitos para uma pós-edição bem-sucedida.

Por parte do cliente:

🥇  O software no qual será realizada a tradução automática deve ser de boa qualidade. Se possui textos com informações confidenciais ou dados pessoas, pense também nos problemas de privacidade ao usar tradutores gratuitos genéricos como o Google Tradutor. Deve ter em mente que a MTPE não é adequada com alguns pares de línguas (os pares de línguas mais populares terão um melhor motor de tradução automática e vice-versa) e em algumas áreas de especialização.

🥇  O texto original a traduzir automaticamente não deve ter erros de gramática ou ortografia, deve estar escrito de forma clara, simples, fluida e consistente. Por isso, prepare o texto antes da MT, formate cuidadosamente e corrija quaisquer erros e inconsistências — quanto melhor preparar o conteúdo antes da tradução, melhor será o resultado final obtido e menor o prazo de execução.

🥇  Devem ser evitadas frases demasiado complexas e floreados desnecessários. O ideal será usar frases curtas, apontando para um máximo de 20 palavras. Lembre-se, para ser bem traduzido pela IA o texto deve ser claro, conciso e descomplicado.

🥇  Informações dúbias devem ser escritas por extenso — por exemplo as datas, que têm formatos diferentes consoante os países.

🥇  Se pretende a tradução de textos com terminologia técnica específica, forneça ao pós-editor um glossário para que este possa criar uma base de dados e uniformizar as traduções inconsistentes da IA. Eis algumas dicas a ter em conta quando se escreve um texto para MTPE:

  • A estrutura frásica deve ser a mais simples e óbvia — sujeito > verbo > complemento
  • Usar a voz activa em vez da passiva
  • Evitar palavras com múltiplos significados
  • Usar uma gramática simples
  • Escrever frases curtas
  • Evitar sarcasmos e ironias

Por parte do pós-editor:

🥇  Os pós-editores devem ter o cuidado de não realizar edições a mais ou a menos. A edição insuficiente pode produzir um resultado final repleto de erros ortográficos, gramaticais ou de significado. Por outro lado, a edição excessiva — quando os pós-editores fazem edições preferenciais ou estilísticas que não são necessárias, ou editam de forma muito mais pormenorizada do que o pretendido pelo cliente — criarão problemas como o incumprimento dos prazos, o preço pago pelo cliente não proporcional ao trabalho realizado… e muitas dores de cabeça. Por isso, se não é erro não mexa; se a estrutura da frase estiver correcta e o seu significado for compreensível, não embeleze!

🥇  A pós-edição deve assentar sobre um processo de análise e discussão que envolva o pós-editor e o cliente e, se possível, o redactor do texto de partida. O texto original traduzido automaticamente deve ser adequado para MTPE, o profissional humano deve estar ciente das expectativas do cliente antes de aceitar a tarefa e o preço acordado deve compensar o nível de detalhe exigido na pós-edição. Só desta forma o cliente e o tradutor humano terão menos dores de cabeça.

Uma tradução automática de alta qualidade depende tanto da produção efectiva da IA como da inteligência e do trabalho humanos. 🤝

Esse trabalho cerebral envolve não só a pós-edição propriamente dita, como também a revisão ou preparação dos textos de partida, eventualmente, a criação de uma base de dados, e um trabalho de pós-edição exaustivo.

E arriscamos dizer que ter alguma experiência em pós-edição de MT não fará mal algum. Um pós-editor deve ter em conta tudo o que já discutimos, mas é importante que também conheça os pontos fracos da tradução automática, os seus “vícios” habituais, pois só assim saberá detectar as nuances que escaparão facilmente aos menos avisados.

Sugestão de leitura:

👉🏼 https://cdt.europa.eu/pt/light-post-editing-neural-machine-translation-output

A Verbarium oferece serviços de MTPE profissionais à sua medida. Não hesite em contactar-nos se tiver quaisquer dúvidas sobre o processo.

Não perca a conclusão deste artigo aqui.

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